segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Poder do Silêncio Interior



"Era um fim de tarde de quase-primavera. Após horas de produtivas discussões intelectuais, direcionadas a um conhecimento mais verdadeiro e mais humano da realidade através de uma ciência sempre tão fria, era hora da celebração. O aniversário de dois dos integrantes do grupo era motivo mais do que suficiente para saborearmos aquele delicioso bolo de chocolate juntos. Futuras-mamães conversando de igual para igual com jovens doutores sobre espiritualidade, alunos de graduação contando suas experiências (des)amorosas para professores, nem mesmo a faxineira ficou fora da festa, e compartilhava receitas caseiras com uma advogada famosa que tinha acabado de chegar de São Paulo. O Sol poente iluminava a musa repleta de quitutes quase criminosos de tão bons, os sucos naturais frescos e os pequenos arco-íris que se formavam na parede dos copos de vidro. No teto, os reflexos da piscina dançavam serenos, convidando a todos a sua hipnose... Até os cachorros participavam da festa, mãe e filha, brincando empolgadas nos fundos, no auge de sua selvageria e inocência. 

Eu, me balançava na rede pendurada entre os pilares, só observando tudo aquilo. Meus joelhos eram massageados pelo vai e vem que eu fazia quase sem esforço naquela posição semi-deitada... Interagir de qualquer forma significaria deixar de perceber alguma coisa desse Todo maravilhoso que me cercava... Eu simplesmente não queria alterar nada naquele ambiente e nem perder uma partezinha se quer daquele momento. Foi então que eu de repente percebi: "Tudo está no jeito que deveria estar. Sempre está.". Uma verdade tão piegas, mas ao mesmo tempo tão arrebatadora que me jogou numa paz de espírito sem fim, um estado que as palavras não conseguem alcançar para descrever. Quando dei por mim, notei que fluía uma energia do meu peito, uma energia leve, serena... Uma sensação sem origem, nem destino, que fluía em todas as direções. O mais parecido que consigo descrever é como um amor tão sutil quanto o cheiro de um perfume... Sem motivo ou objetivo. Era apenas algo que fluía. Fiquei por minutos inebriada por essa sensação. Não sentia-me como corpo, não sentia onde eu começava e onde eu terminava. Não sentia barreiras entre eu e todo o resto. Apenas uma remota lembrança corporal impedia que eu me dissolvesse no ar...

- Vai querer bolo?

Foi então que percebi... Meu diálogo interno havia cessado, emudecido totalmente sem que eu ordenasse. 

- Vou sim, obrigada...

Senti então meu corpo novamente, porém imerso em serotonina. Aos poucos, bem lentamente, eu voltava a minha percepção rotineira... Minha mente quase muda, meus cinco sentidos cristalinos... Visão, audição, olfato, tato e paladar... Nunca provei um bolo de chocolate mais delicioso em toda minha vida..."


Um comentário:

  1. Esplendido!

    Parece que nesses momentos mais simples, mais mornos e serenos, quase sem importância, sem novidades, como se o tempo estivesse parado com a saturação enfadonha da normalidade. Quando os monótonos dias nos presenteiam com algo infinitamente rico e mistérioso ao descobrir os véus diáfanos que durante todo o tempo serviu de cortina diante de nossos olhos.

    E todo nosso corpo/ser do Som se apresenta como percebedor silencioso.

    Intento querida e amada Jessi!

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