terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A Sabedoria das Vacas Sagradas






Estava com dois textos para postar aqui no blog... Três na verdade... Mas o Intento tinha outros planos, e eu não pretendo interferir...rsrs

Lembrei-me de um episódio em que visitei um confinamento bovino.  Era meu segundo dia de aula na faculdade. Meu curso era Economia, porém a faculdade possuía uma fortíssima "tradição" (que palavra maldita essa...) agropecuária, e a disciplina de "sistemas agro-industriais" era obrigatória para todos os cursos (vão vendo onde eu me meti...). Na época, há três anos atrás, ainda não tinha dado meu mergulho no Xamanismo, porém há muito já cultivava um senso de igualdade com todos os seres. Em condições deploráveis as vacas viviam com apenas o espaço necessário para sobreviver. Até a mobilidade entre elas era prejudicada. As fezes e urina pelo chão acumulavam uma camada de cerca de 30cm nos quais suas patas afundavam. Em suas orelhas, pedaços de plásticos como brincos pendiam coloridos e insensíveis, causando-lhes coceira e inflamações. Muitas tinham vários furos em ambas a orelhas, tudo para tentar reduzir seus Seres a um número apenas. Umas lambiam as orelhas das outras, para coçar e espantar as moscas. Parecia haver, porém algum senso de organização entre elas, de higiene, pois pareciam defecar em uma única parte da área que tinham disponível. Revesavam-se para olhar o lado de fora da grade, mais arejado. Apesar das condições deploráveis, elas pareciam apoiar silenciosamente umas às outras entre lambidas e apoiadas umas nas outras. 

Eu olhava-as nos olhos, chocada com suas condições, e profundamente arrasada por saber que as deliciosas refeições que tinha custavam-lhe sua liberdade e vida dignas. Não tinha piedade pela Morte em si, mas sim pela não-Vida que levavam... Mas não era possível... Devia ter algum Propósito por trás de tudo aquilo... 

De repente senti uma delas olhar diretamente nos meus olhos, como se pudesse entender qualquer coisa que eu pensasse. Senti nela uma surpresa, que na hora não entendi, mas que hoje ser a surpresa de um animal perceber que um humano consegue compreender sua Linguagem... Sou uma descendente do povo Kaingang, o Povo que fala todas as línguas. E hoje sei que essa minha característica tem suas raízes em minha genética. Inciamos então uma conversa por linguagem de bloco enquanto o professor explicava sobre a vida e morte daqueles seres e discutia as perspectivas de mercado.

- Nossa! Finalmente uma humana que entende! - ela então soltou um mugido. Outras vacas se aglomeraram ao redor dela, todas olhando diretamente para mim e o grupo comigo. - Olhem só a humana... O que está fazendo aqui? Que povo esquisito é esse que veio pra cá hoje? Parece até que nunca viram uma vaca na vida... - seguiu-se então um grande falatório entre elas, irônico e sábio ao mesmo tempo. Passado esse momento, uma delas me perguntou...

- Quem é você, humana? O que faz no meio desse povinho esquisito? Seu lugar não é aí não...

- Sou Jessika. Acabo de entrar aqui para estudar.

- É... É o que todos dizem. - disse uma delas, meio rabugenta e virou-se de costas, andando na direção do grupo do qual eu havia acabado de me separar.

- Eu vim aqui para estudar sobre Sustentabilidade. Sou uma filha da Terra e tenho uma missão aqui...

- Há! Eu sabia! - disse uma das mais velhas, erguendo o queixo por um momento como se 'empinasse o nariz' rsrs e olhou para a outra vaca que havia nos deixado.

- Arrgghh... Não enxe! - respondeu a outra vaca. Elas tinham nomes próprios, mas eu infelizmente não me lembro deles. Na verdade até lembro, mas não cabe nas letras.

- Pois bem, criança, como você ia dizendo... O que vem fazer aqui? - disse a vaca mais velha

- Quero estudar sobre Sustentabilidade, apesar de ainda não saber muito bem o que é isso. Tenho alguma missão...

- Entendo... Mas você ainda não sabe o que é a missão, não é?

- É... Exato! - eu me empolguei com a capacidade dela me entender mais que mim mesma.

- Você sabe que vai ser muito difícil de cumprir essa Missão, não é? Como falar de assuntos tão vitais com pessoas como essas que vc anda? Tem certeza que é isso que quer? Ainda há tempo de desistir... Decida sabiamente, filha...

- Sim, é isso que eu quero. - disse sem pensar duas vezes - Pode ser difícil, mas eu conto com bons aliados...

- Bom, se é isso então, boa sorte, criança... Se você for bem-sucedida em sua tarefa certamente será também de grande ajuda para seus irmãos, e quem sabe eles instalem mangueiras higinênicas aqui para acabar com esse fedor de merda... Hahaha... - no local havia tanto as fezes delas quanto um tratamento de esgoto próximo. O cheiro era de deixar qualquer "cabra macho" zonzo. Certamente não eram das fezes delas que elas estavam falando...

Depois de um momento de riso, um peso tomou conta de meu coração... A Culpa, a tristeza de ver seres tão maravilhosos viver daquela forma tão deplorável...

- O que inflinge seu coração, branquinha? - perguntou-me humorada uma vaca mais branca que eu.

- Como vivem assim? Nesse estado? - perguntei com pesar... 

- Hahahaha - riram algo todas elas, várias mugiram nesse momento e me asssustei com a coincidência. Na época esses diálogos eram raros e os considerava como algo apenas dentro da minha própria mente - Eu que lhes pergunto! Como VOCÊS vivem assim? Avaliados, julgados, condicionados, para depois ter o corpo comido por vermes em um terreno sujo qualquer?

- É!!! - disse a vaca rabugenta, agora com a bunda virada para eles, agora a menos de um metro de distância deles - Olha só o que eu faço com seus amiguinhos infelizes! 

Dito isso ela soltou uma enorme quantidade de cocô pelo ânus, num espetáculo de horror tragicômico. Todos da sala que soltaram interjeções de "ecaaa..." "ahhh... que nooojo...". Eu ri sozinha da cena, torcendo para que não reparassem no meu afastamento. Todas as vacas mugiram e riram juntas do festival e várias aderiram à campanha da merda, cagando com suas bundas viradas para meus colegas de sala que eu ainda nem conhecia. A vaca que deu início à revolta continuava em seu heroísmo...

- Olha aqui seus otários... Não fede tanto quanto os de vocês! Quer um bifinho agora, queridos? Olha minhas tetinhas lindas sujas de merda... Vem mamar, vem! kkkkkkkkkkkkk...

Era impossível não rir alto dessa vez... Mais uma vez me assustei com as coincidências da conversa supostamente "dentro da minha mente", e dos eventos externos.

- Ainda acha nossa vida ruim? - perguntou-me de novo a mesma vaca albina.

- Mas vocês tem condições tão ruins... Não lhes incomoda suas fezes no chão sujando-lhes as patas? A falta de espaço?

- Todas nós estamos aqui por Vontade Própria - respondeu uma outra vaca, a mais velha delas pelo jeito - Algumas de nós sacrificamos um pouco de nosso conforto físico para que vocês humanos pudessem perceber a própria auto-anulação em seu ridículo e distorcido senso de grupo.

- Enquanto outras preferem a moleza do campo, na pecuária extensiva... - disse-me outra vaca.

-  Não percebe que somos todas fêmeas? - disse-me outra vaca, com a voz doce e serena - Não vê nenhuma semelhança? Escolhemos ser o espelho de vocês memos... Até as vacas jovens e tetudas tem uma ala melhor só pra elas... - acho que não deveria haver nenhuma vaca no mundo sem senso de humor...

- Olhe bem para nós. - disse-me a Vaca Anciã -Temos umas as outras. Minhas pernas dóem, mas minhas irmãs me lamberão as costas e oferecerão o próprio corpo para eu me apoiar. Uma vez por dia saímos para pastar. Se nos cansarmos disso podemos muito bem fugir. Todas sabem aqui da falha na cerca logo ali. Quantos de vocês podem dizer coisas semelhantes? Não tome sua própria vida como comparação para responder... Parecemos ter uma vida ruim para mostrar-lhes a ironia de que a vida de vocês que é totalmente miserável. Quando comer de nossa carne, lembre-se sempre de que os sofredores são vocês. Os animais continuam felizes em sua Selvageria. Ao menos não nos dominam a mente como fazem com você e seus colegas nesse lugar macabro que estamos nesse momento. 

- Não preferem então os campos em que podem viver livres? Preferem estar aqui só para nos ensinar?

- Só? - respondeu uma das vacas mais novas.

- Você pensa como humana. Se quiser nos compreender, deve pensar como uma vaca - disse a Anciã, para o riso de várias - Acha mesmo que nossa tarefa enquanto Vacas Sagradas na Índia e Vacas leiteiras no Mato Grosso são diferentes? Ao contrário de vocês, todos os animais possuem um senso forte de união enquanto espécie. Não existem manadas. Existe uma única manada. "A" Manada de todas as vacas e bois ao redor da Mãe Terra. Vocês ainda tem muito a aprender conosco... E nós nos mantemos unidas de observar de perto a miséria da solidão íntima de cada um de vocês. Se continuar sendo uma filha da Terra, quando você também descobrir a falha na sua cerca e decidir fugir, já não mais sentirá vontade de comer de nossa carne, e acredite, nós saberemos e ficaremos contentes por você. Esse é o Ensinamento que temos a oferecer a você e seus irmãos.

Dito isso, o professor nos levou até outro setor da faculdade, o de vacas leiteiras. Elas tinham razão, a ala delas era muito melhor, rsrs... Dessa vez não tive maior contato com elas, pois são tratadas com mais higiene que as de corte e ficam isoladas do contato com visitantes. Carreguei durante todo esse tempo comigo apenas o olhar daquelas vacas simpáticas, mas esqueci-me da lição que haviam me dado... E só agora parece ter chegado o momento de compartilhá-lo.

Esquecendo-me do poderoso Ensinamento que recebi, não consegui mais comer carne bovina por algum tempo, um forte senso de culpa me invadiu. Depois compreendi que as vacas são animais profundamente poderosos e me lembrei dessa experiencia. Elas não estariam em tal situação se realmente não desejassem estar, porque bem sabem da "falha na cerca"... Por isso passei então a usar sua carne como uma consagração à Liberdade. Ingerir sua carne sem fazer isso, porém, seria para mim o cúmulo do desrespeito. Mas posso compreender e respeitar os que preferem não comer carne bovina ou de algum outro tipo, pois o pesar que senti num primeito momento foi tamanho que poderia mudar toda minha vida... Esse porém, não é meu Caminho, pelo menos por enquanto. Mas hoje quando comi um filé mignon pequeno (afinal não é preciso se entupir de carne para entrar em contato com sua energia) muito bem temperado, sem permitir que a culpa me envenenasse o coração, agradeci à Vaca Anciã pelo Ensinamento e fiz questão de me reafirmar internamente meu propósito de eu mesma encontrar as "falhas na cerca" da minha espécie.

Intento!

6 comentários:

  1. Mas ainda assim come a carne delas, é uma pena, mas verá com o tempo que não precisa comer a sua carne para conectar-se com sua energia, e nem venha com esta história de antropofagia, pois se não como faria amiga feiticeira para conectar-se com a energia de amigos como eu?

    Sai fora de querer um bife deste que vos fala. huahauhauhau

    Luz, paz, intento.

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    1. Há-há-há... Tinha certeza que com uma boa anestesia você nem ia sentir falta do seu dedinho do pé esquerdo... Não usava pra nada mesmo... MUAHAHAHAHA!

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  2. Rsrsrs... que barato as vaquinhas!! mas com toda sinceridade, meu coração fica apertado, não suporto a ideia da privação da liberdade de qualquer ser vivo. Domingo me ofereceram uma refeição e era bife, eu tentei dar umas mordidas mas meu coração aperta de verdade! passei o bife pro meu amigo esfomeado que devoraria uma vaca inteira!

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  3. kkkkkkkkkkkkkkk... Pois é, meus caros...

    O que eu senti é que elas não se importavam em ter a carne comida, contando que de forma sacramentada - e se fossem bem-tratadas, lógico. Não sou a favor da tirania contra as vacas, mas percebam... No meu caso, elas mesmas ofereceram... Pow, várias tribos norte-americanas tinham uma relação assim com os Tutankas, os búfalos. Eles eram sagrados e ao mesmo tempo eram comida. Não sei porque uma coisa tem que impedir a otra... Pra mim é assim..

    Com certeza então vocês já encontraram a 'falha na cerca' de vocês... Honrável! Eu acho muito legal e até fiz o teste, mas sinto falta da carne na minha dieta. Mas não se preocupem, não... Eu como bem pouquinho e só algumas vezes na semana. Mas meu momento ainda vai chegar, rsrs...

    Só não sintam pena das vacas. Elas não precisam de pena. São imensamente poderosas.. Muito mais do que nós... Tudo que elas querem é nós percebamos nossa própria condição lastimável...

    Intento amigos!

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  4. Tem um filme (não lembro o título) que a caça se apresenta ao caçador como presente do Espírito da floresta. O caçador mata o animal com uma toda uma postura de respeito e depois se alimenta dele. Isso é uma coisa. Outra coisa, é fazer uma churrascada e comer por divertimento, isso depois do animal ter tido uma vida de sofrimento. Acho que quem gosta de comer carne e come para alimentar o corpo e tem respeito pela vida que se foi para alimentá-lo, não tem porque parar de comer carne. O problema que acho, é que tem que parar com toda a falta de respeito pela vida, seja de quem for. Pode comer carne Jessika, até quando seu próprio ser, disser que basta.Cada organismo tem suas necessidades. O meu problema, é que eu me coloco no lugar da vaca. Mas... a vaca tem uma energia bem diferente da minha com certeza.

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    1. Concordo com a Dil, cada um no seu tempo. Um exemplo que gosto de citar é Chico Xavier, ele comia carne porque dizia que seu organismo não estava pronto para ser vegetariano, mas ele sempre dizia que esta era uma meta que ele queria atingir em uma outra vida, a de ser vegetariano, conseguir isso segundo ele era um dos desafios de nossa evolução.

      Mas claro Jéssika, não como carne não por pena das vacas, mas porque meu organismo aprendeu a comer outras coisitas, kkkkk, não te culpo por comer, quem sabe não chegará seu tempo de parar.

      Luz, paz, intento.

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