terça-feira, 16 de outubro de 2012

E Se...?

(Uma tela de Paul Delaroche) 

E SE...?

E se o mundo como me disseram que era não for bem assim?
E se as coisas forem diferentes?
E se o que importa mesmo não for o barco – mas sim as correntes?
E se a viver for apenas escolher qual dessas marés pegar quando podemos escolher e nos deixar levar quando não podemos?

E se...?
E se o que realmente importa seja o que eu sinto que realmente importa?
E se minhas mais absurdas suspeitas estiverem corretas?
E se as mais claras certezas alheias estiverem erradas?

E se...?
E se eu estiver engana que eles estão certos e eu estou errada?
E se eu estiver certa e eles errados?
Mas afinal o que é “certo”? O que é “errado”?
Eu simplesmente não consigo responder.
E afinal o que é “eles”? O que é “eu”?
Afinal qual seria a diferença?
Eu também não sei responder.

Mas e se...?
E se não houver fronteiras entre “eu” e “eles”?
E se tudo for uma infinita continuação de um único respirar? De um único coração?
Mas afinal o que isso tudo significaria?
Se não há mais fronteiras entre o “eu” e o “eles”...?
E se “eu” estiver dentro deles e “eles” estiverem dentro de mim?
O que então seria “certo”? O que então seria “errado”?
O que então faria diferença?

E se...?
E se não houver diferença entre o “certo” e o “eles”?
E se no fundo o que eu aprendi como “certo” não seria o “eles” deles em mim?
Então o “errado”... Seria o “eu”?
E se no fundo a proibição não for em relação ao que é “errado”, mas sim em relação ao “eu”?
E se o verdadeiro objetivo por detrás da máscara for a morte do “eu” e a injeção de “eles”?
Então estariam “os errados” apenas sendo seus respectivos “eus” ?
Seriam aquelas que eu fui ensinada a ignorar os que conhecem o caminho para minha libertação?

Será?

Será que então no fundo eu sempre souber o que ser, mas fui ensinada a esquecer?
Será que então, quem sabe... talvez... no fundo... eu ainda saiba?

E se o “eles” for uma droga que precisa de constante reinjeção?
E se eu parasse de permitir que me injetassem?
Será que “eles” iriam embora?
Será que o “certo” iria embora?
E se conceitos duais dependem um do outro...
Quem sabe também o “errado” também iria?

Será que restaria apenas “eu”?
Já que “eu” e “eles” não somos opostos, mas sim uma unidade...?

E se a unidade estiver doente?
E se não estiver?
E se os doentes formos nós?
E se a doença for enxergar o Um como Dois?
Como Três? Ou sete bilhões? Ou mais?
Como infinitas cápsulas desconectadas umas das outras?

Será que então eu nasci saudável?
Será então que eu adoeci com o tempo?
Será que eu permiti que injetassem em mim a droga do “eles”?
Quando?
Por que?
Como isso foi acontecer?!

Mas e se...?

E se no fundo isso não importar de fato?
E se... Talvez... Lá no fundo... Quem sabe... Haja um motivo desconhecido para isso?
E se não for um motivo?
Mas sim uma corrente...?
Uma corrente na qual meu barco foi parar?
E se a palavra “motivo” não tiver sentido?
(porque “motivo” mais parece uma prisão do que um esclarecimento...).

Será?
Será que um dia eu compreenderei a dança das marés?
Seria “compreender” apropriado?
E se “compreender” também for uma prisão?
E assim como as águas que simplesmente fluem, dançam,
Afundam e emergem, vão e vêm, sem pensarem em compreender...
E se assim como as águas, as marés não forem feitas para serem compreendidas?
E se tudo que pudermos fazer é senti-las? Tocá-las?
Dançar com elas... Afundar e emergir... Ir e vir...?

Será?

E se for mais bonito assim?
Será.

E se no fundo não houver muito que possamos fazer?
E se no fundo nem o mais eficiente barco, remador ou nadador tiver poder para mudar sua maré?
E se tudo que pudermos fazer é escolher nossa corrente...
Quando o Oceano assim nos requisitar?

E se essas duas forças em mim,
Forem na verdade duas correntes paralelas indo em direções opostas?
E eu solitária em minha canoa estiver girando se saber pra onde remar?
E se aqueles que sinto tão próximos a mim...
Na verdade forem também remadores rodopiando nas mesmas correntezas que eu?
E se eles também estiverem sufocados de “eles”?
Tentando achar sua bússola dentro da bagunça de suas canoas...?
E se eles já tiverem suas bússolas e agora lutam para colocarem suas canoas na correnteza que desejam?

E se eu mesma já tiver encontrado minha bússola?
E se eu mesma já souber qual correnteza me leva aonde?
Eu pegaria meu remo e me colocaria na correnteza que desejo?

Eu me atreveria?
Eu teria forças?
Eu arriscaria tombar minha canoa e afundar-me no Mar que tantos engole?
Eu assumiria minha responsabilidade se ela tombasse?
Eu assumiria minha responsabilidade se seguisse na direção errada?

E se eu seguisse na direção certa...?
Será que eu ousaria?
Será que eu me deixaria paralisar pelo medo?
Será que eu me permitiria fluir sem culpas ou remorsos? Sem olhar para trás?
Ou será que deixaria essa correnteza tão forte e misteriosa rachar a mim e minha canoa?
Ou será que os gritos daqueles que não querem que eu me afaste...
Os gritos de outros “eus” tão contaminados de “eles”...
E que no fundo estão dentro de mim tanto quanto eu estou dentro deles...
Será que eu deixaria seus gritos me pararem?
Será que eu deixaria que eles me adiassem?
E até quando?

Até quando?

Até quando essa correnteza poderosa e misteriosa rodopiará meu barco?
Até quando eu terei a oportunidade de decidir?
E se do dia para a noite essa corrente desaparecer tão misteriosamente quanto apareceu?
E não reste nem se quer uma vaga memória que ela existiu?
E se a mensagem na garrafa, enviada por aqueles que já a seguiram estiver certa...?
E essa corrente surgir apenas uma única vez em todo nosso tempo dentro de nossas canoas?
Para então nunca mais voltar... Sem deixar vestígios ou provas de sua existência?
E se “eu” souber que eles estão corretos?
Eu ainda permitira que os gritos deles me adiassem?

Ou eu pegaria meus remos implacavelmente?
E com o coração estilhaçado por dentro e lágrimas nos olhos
Deixaria a eles tudo o que eu puder deixar,
Com todo o Amor e Gratidão que meu Ser é capaz de manifestar,
Desse um beijo e um abraço em cada um deles,
Gravar seus rostos e gestos na memória da minha Alma,
Para então virar-lhes as costas para nunca mais voltar?
Eu faria isso sem olhar para trás?
Eu faria isso com a mais infinita Paz dentro de mim?
Mesmo sentindo toda a dor que eu fosse capaz de sentir?
Eu seguiria então a minha correnteza?
A correnteza que é nitidamente minha?
Que é nitidamente feita da mesma matéria que sou feita?
Para então deixar-me fluir pelo desconhecido do qual ninguém nunca volta?
Eu faria isso com um sorriso no rosto mesmo com as lágrimas nos olhos?
Eu faria isso com Amor e com Paz na alma mesmo com o coração em pedaços?
Eu faria MESMO isso?

Ou eu abandonaria essa ideia estúpida, ingênua e fantasiosa?
Ou adiaria tanto minha partida que a corrente então me abandonaria?
Para então seguir a corrente da sensatez, do que é “real”,
Lado a lado com todos que amo,
E para sempre apartada de mim mesma?
E para sempre dependente da droga entorpecente do “eles”,
Das alucinações tão reais e tão necessárias,
Para me distrair da dor insuportável da mutilação da minha própria Alma?
Para então nunca saber o que teria sido aquela outra correnteza?
Ou ainda pior: viver como ela nunca tivesse existido?
Até que a Morte que a todos toca para destruir,
Me desse então seu golpe final?
Para então, quando eu visse dentro dos olhos da Ceifadora Sagrada,
Todas as alegrias e tristezas que passei,
E eu então me lembrasse da correnteza que eu nunca segui,
Desse pedaço de mim mesma perdido para sempre,
Dessa vida não vivida, dos sonhos não realizados, e realidades não sonhadas,
E sentisse então toda a dor insuportável que eu sempre anestesiei,
Com uma droga que perante Ela não faz efeito ou sentido.
Só ali então, eu acertaria minhas contas comigo mesma,
Com aquela parte de mim que eu torturei, ignorei, desprezei e desrespeitei,
Ao longo de toda uma vida.
Pagaria então com meu próprio sangue, carne, ossos e lágrimas,
Uma dívida que jamais poderá ser saldada inteiramente.
Para então me desfazer em sofrimento e arrependimento,
Até que já não exista mais nenhuma parte em mim para sofrer...
...
.
.
.

NÃO!
Que cessem os rodopios! Eu pego meus remos com toda minha força!
Que calem os “eles”! Que eu me despedace tudo que tiver de despedaçar!
Que quebre meu próprio coração e o coração alheio quantas vezes for preciso quebrar,
Que vire, destrua, afunde a canoa quantas vezes for preciso virar,
Se a dor é inevitável, que eu a enfrente em minha própria correnteza,
Com a Paz de estar seguindo meu próprio Caminho,
Desbravando mares que eu nunca conheceria se não me aventurando por eles.
Que se for para afundar, que eu morra afogada, sufocada, calada e invadida
Por águas que são feitas da mesma matéria que eu!
Que se for para seguir, que eu siga com a bravura dos que ousaram estar errados,
Com a loucura dos que ousaram ser autênticos,
E com a força dos que ousaram libertar-se de tudo e de todos que não eles mesmos.

Assim, quando a Ceifadora se visitar para seu toque final,
E tirar-me então de minha canoa,
Verei em seus olhos os erros que cometi na minha própria correnteza,
Sentirei em minha Alma a Paz que só a coragem de Amar verdadeiramente pode trazer,
Então me encolherei em sofrimento e dor,
Mas sim receberei a Ceifadora Sagrada com os braços abertos
De quem recebe um grande e velho amigo,
Para então em seguida, estar cara a cara com ela e dar-lhe a batalha que deseja.
E então não a olharei com olhos assustados e arrependidos,
Mas sim com olhos implacáveis de quem aceita seu Destino,
De quem olha no fundo dos olhos seu oponente,
Com os próprios olhos cheios de ferocidade e o coração cheio de respeito
- e sabe ser este seu último duelo.

E então quem sabe, dependendo do pedido que seus olhos negros me fizerem,
Serei a dançarina que apresenta sua última Dança,
Tecendo e trançando meu próprio Ser no Véu que dançará comigo,
Para depois então entregá-lo à sua Escuridão.

E talvez, quem sabe, mergulhar de volta em minha Correnteza Sagrada,
Tão fundo quanto eu nunca havia mergulhado antes,
Até que eu e Ela nos tornemos Una...
... Novamente.

2 comentários:

  1. Você sincronicamente buscou os "ses" como inspiração, claro, a velha sincronia de sempre. Assista ao filme "Sr. Ninguém", ele me veio no meio da inspiração dos "ses" e do agora, e vi um filme fantástico, assita e me fale, vale muuuuito a pena.

    luz, paz, intento.

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